quarta-feira, 24 de junho de 2009

Língua Oral e Língua Escrita

Há quem considere que a fala corresponda a uma escrita cheia de erros e que a escrita corresponda a uma fala com menos recursos de expressão. Tais julgamentos estão completamente equivocados. Trata-se a fala e a escrita de duas maneiras diferentes de manifestação da língua, cada uma delas possuindo suas características, suas regras e seus recursos próprios. Por serem distintas, precisam receber tratamentos diferenciados, para que cumpram, adequadamente, suas funções linguísticas, discursivas e comunicativas.


Às diferenças entre a língua oral e a escrita correspondem determinadas consequências de ordem teórica e/ou pragmática. São as seguintes as principais distinções entre uma e outra, correlacionando-se às consequências a seguir:


A fala remonta à própria origem do homem; enquanto a escrita é recente – os sistemas escritos mais antigos datam de seis mil anos; havendo quem considere a escrita da Suméria, de há três mil anos, como a primeira (cf. Cagliari, L.C. Diante das letras. Campinas, Mercado das Letras, 1999). Desse modo, a fala é anterior à escrita, possuindo um caráter universal, isto é, todos os povos falam. A fala é espontânea, sendo adquirida pelo indivíduo tão-somente pelo contato com a sua comunidade linguística. Já a escrita não é universal: há povos que não a conhecem. A escrita requer aprendizagem, sem o que não desabrocha espontaneamente. Uma leitura eficiente deve recuperar as qualidades da fala, as quais a escrita representa através de sinais de pontuação, entre outros recursos.


Na língua oral há mais inovação e tendência à diversidade lingüística – faz-se largo uso das variantes linguísticas: dos falares regionais, coloquiais, gírios, etc. Na escrita há mais conservação e tendência à unificação da língua. Como consequências dessas distinções, observa-se que é através da fala que a língua evolui, adaptando-se às necessidades de comunicação das comunidades de falantes. E é através da escrita que se mantêm os padrões tidos como cultos. Na realidade, não existe codificação escrita dos diversos falares, apenas da língua padrão, daí porque, nessa modalidade da língua, faz-se uso limitado das variantes linguísticas.

A fala envolve interlocutores que se situam em interação num mesmo espaço de tempo; o que normalmente não ocorre na escrita. Assim, na interação face a face, havendo qualquer dúvida, os interlocutores podem saná-la de pronto; o que não se passa entre o leitor e o escritor. Por esse motivo, quem escreve deve imaginar-se no lugar do leitor, procurando construir sua mensagem da forma que julgar mais clara, supondo os equívocos que seu texto possa originar, com o fito de desfazê-los, se, de fato, desejar ser compreendido.

Via de regra, durante o ato de fala, os interlocutores situam-se num mesmo espaço físico. Já a escrita pressupõe interlocutores situados à distância. Daí resulta que, em se tratando de língua oral, os interlocutores podem ver, ouvir, tocar, cheirar, etc. as coisas e os seres que fazem parte do contexto externo à fala, não necessitando, pois, recriar esse contexto situacional através da língua falada. Eles podem, ainda, perceber as reações às suas palavras, contando com a oportunidade de reformulá-las para se fazerem compreendidos. O leitor, diversamente, não poderá perceber o contexto situacional da escrita, a não ser que esse contexto seja recriado internamente ao texto por obra da descrição do escritor. E, como o escritor não poderá reformular o que disse, deve imaginar as reações de seu leitor, para expressar-se de modo mais eficaz.


Na língua falada, a memória é fundamental, uma vez que o ato de fala só dura o tempo de sua enunciação. Quanto à escrita, a memória não é importante, pois tudo o que é dito fica gravado, podendo ser recuperado pela leitura. Consequentemente, na oralidade as contradições são menos aparentes. Os interlocutores podem mudar de assunto repentinamente, sem necessidade de introduzir de forma marcada o novo tema e ser ter de estabelecer conexões com os assuntos antes tratados – pelo contrário, o exagero na busca de laços coesivos tende a tornar a conversa monótona. Por seu turno, na língua escrita, as incoerências ficam mais evidentes – sempre se pode ler o que foi dito anteriormente -, sendo aconselhável, por isso, que o escritor releia o que já escreveu. Como as partes de seu texto deverão estar interligadas, o escritor não deve abandonar o que vem dizendo e passar bruscamente para outro tema.

A língua oral tende à prolixidade; enquanto a escrita tende à concisão. Na fala geralmente ocorrem repetições com a finalidade de precisar o sentido de expressões, de enfatizá-las, ampliar-lhes o sentido, ou ainda para que o locutor mantenha o turno da palavra. Na escrita, as repetições e longas ou constantes digressões costumam tornar o texto enfadonho e obscuro.

Links sugeridos para aprofundar a pesquisa e para atualizá-la:

1) Breve nota sobre a obra organizada por Inês Signorini, Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2001.

2) Tese de doutorado de Sheila Oliveira Lima, Leitura e oralidade: as inscrições do desejo no percurso de formação do leitor. Faculdade de Educação-USP, 2006.


4) Tese de doutorado de Denise Durante,  Entre a fala e a escrita: a representação da oralidade como estratégia argumentativa em anúncios publicitários. FFLCH-USP, 2009.


Assista, no vídeo a seguir, a um debate promovido pela TV Brasil, a propósito do polêmico livro adotado pelo MEC, o qual incorpora variantes linguísticas e, pois, a fala e a escrita: