quarta-feira, 24 de junho de 2009

Gramática Normativa e Gramática Intuitiva










O termo gramática possui conceituações distintas. Do ponto de vista do sistema linguístico – como o entendeu Saussure, com as retificações da Linguística contemporânea -, trata-se do conjunto de regras fonéticas, morfológicas, sintáticas, semânticas, pragmáticas e discursivas de que se constitui determinada língua. Essa gramática, que incorpora elementos de ordem funcional, variáveis no tempo, no espaço e nas situações de interação linguística - numa concepção
objetiva, trata-se do que é efetivamente praticado pelos falantes de uma língua - é objeto de estudo e de descrição dos linguistas.

Por seu turno, a gramática normativa é um conjunto de regras sobre a língua oral e a escrita, prescrevendo o uso de um padrão tido como culto o qual deve ser aprendido pelo falantes através de instrução escolar. Essa gramática baseia-se em moldes predeterminados, selecionados da escrita, em conformidade com ditames de ordem político-econômica – correspondendo, numa concepção subjetiva, a um modelo de expressão dos falantes cultos das classes sociais dominantes. É ensinada e/ou prescrita através de manuais didáticos, dicionários específicos e gerais de língua, além de escritos oficiais, tachando o que se considera como correto ou incorreto no uso da língua. O respeito às regras dessa gramática é objeto de avaliação social positiva, devendo elas ser observadas pela mídia falada e escrita, pelas instituições governamentais e pelos falantes cultos em situações formais.

Já a gramática intuitiva – cuja consideração empreendeu-se com as propostas de Chomsky, relacionando língua e pensamento - é o conjunto de regras sobre o sistema linguístico que os falantes de uma língua internalizam, a partir de tenra idade, independentemente da escolarização ou de quaisquer processos sistemáticos de aprendizado. Os falantes adquirem essa gramática através da ativação e do amadurecimento progressivo de suas experiências linguísticas na comunidade em que se socializam. Ou seja, é no exercício da atividade linguística que os falantes constroem e testam hipóteses sobre o que seja a língua e sobre seus princípios e regras.

É em função da gramática intuitiva que crianças de pouca idade dizem, por exemplo, “eu fazi” (em vez de “eu fiz”). Seguindo as regularidades da língua portuguesa, os pequenos falantes conjugam o verbo fazer de acordo com o paradigma regular dos verbos da segunda conjugação – beber/bebi,comer/comi, etc. Da mesma maneira, motiva-se nas regras da gramática internalizada o fato de falantes maduros, com graus de instrução variáveis, fazerem uso de formas como “ontem mantemos” (em vez de “ontem mantivemos”), “se eu propor” (em vez de “se eu propuser”). Tais falantes também seguem as regularidades do sistema linguístico, ignorando as irregularidades ou deixando de considerá-las.

É, ainda, porque domina uma gramática intuitiva de sua língua que qualquer falante tem capacidade de identificar o que pertence e o que não pertence ao sistema linguístico, do ponto de vista fonético, morfológico e sintático. Assim, por exemplo, do ponto de vista sintático, qualquer falante do português admitiria serem portuguesas construções como “nós vimos os meninos” ou “nóis viu us mininu” – a despeito do emprego ou não do padrão culto -, mas esse falante certamente rejeitaria “nós vimos meninos os” ou “os vimos meninos nós”, que estão em desconformidade com a sintaxe da língua.
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