A carta a seguir é documento resultante de reunião entre representantes de entidades de conservação ambiental, entre as quais se incluem reservas extrativistas, florestas, reservas de desenvolvimento sustentável e estação ecológica da Amazônia. A reunião ocorreu entre os dias 9 e 11 de novembro de 2011, na cidade de Lábrea (AM). O documento foi postado em nota do Facebook, no dia 15 de novembro de 2011, pelo antropólogo Henyo Trindade Barretto Filho. A foto acima também foi postada nessa nota, com as seguinte informação: Plenária do Encontro dos Conselheiros Extrativistas do Sul do Amazonas, Lábrea/AM, novembro de 2011.
CARTA DE LÁBREA: O CHAMADO DA FLORESTA DO SUL DO AMAZONAS E NORTE DE RONDÔNIA
À COMISSÃO INTERMINISTERIAL FORMADA PARA TRATAR DE QUESTÕES DA GESTÃO PARTICIPATIVA DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA AMAZÔNIA
Exmos. Senhores e Senhoras:
Somos 77 conselheiros e lideranças comunitárias, representantes de 11 Unidades de Conservação Federais e Estaduais, incluindo Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e Estaduais, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Estação Ecológica de seis municípios do sul do Estado do Amazonas e norte de Rondônia, organizados em 15 associações comunitárias, além de entidades de apoio. Nós nos reunimos entre os dias 09 e 11 de novembro de 2011, no Centro Pastoral Recoleto, município de Lábrea (AM), e por meio deste documento gostaríamos de apresentar o resultado de nossas discussões e reflexões sobre a gestão participativa que está sendo desenvolvida em nossas Unidades de Conservação.
Este Encontro dos Conselheiros Extrativistas do Sul do Amazonas e Norte de Rondônia surgiu de demandas das lideranças das Resex de Lábrea (Rio Ituxi e Médio Purus), que expressaram inquietudes sobre a forma como a gestão participativa está sendo realizada nessas unidades.
Ao mesmo tempo, no dia 6 de agosto de 2011, aconteceu um fato histórico para as RESEX, RDS e PAEs da Amazônia. Mais de 250 extrativistas, de todos os estados da região Amazônica, se reuniram na Vila Estância, na Resex Terra Grande – Pracuúba, Ilha do Marajó, no Pará, a convite do CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas) para entregar às autoridades do primeiro escalão do Governo Dilma as demandas das populações tradicionais extrativistas.
Entre os compromissos assumidos pelos Ministros do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, constam os seguintes:
- Revisar o processo de gestão pública das Resex porque o modelo atual não está preparado para lidar com as demandas sociais para a política ambiental no Brasil; e
- Criar um Grupo de Trabalho formado pelo MMA, MDA e CNS com prazo de 60 dias para apresentar proposta de regulamentação da categoria Resex, aumentar o poder da comunidade no Conselho de Gestão, definir prioridades e uma estratégia de como vai ser feita essa mudança.
Neste Encontro dos Conselheiros Extrativistas do Sul do Amazonas e Norte de Rondônia, analisamos a história do movimento dos seringueiros e a origem da proposta das Reservas Extrativistas, discutimos os problemas atuais e a soluções que consideramos necessárias e planejamos o futuro que queremos para nossas comunidades.
As principais deliberações da nossa reunião são as seguintes:
O que é gestão participativa?
Para nós a gestão participativa deve ocorrer a partir das comunidades das unidades até a direção do órgão em Brasília passando pelas coordenações regionais. A gestão participativa ocorre quando os conselhos gestores participam da gestão da Unidade de Conservação, tomando decisões com a participação das comunidades. Significa uma ligação direta entre as comunidades e o órgão gestor. Significa também a participação dos conselheiros nas decisões relacionadas ao uso dos recursos naturais assim como planejamento, gestão e definição de seu orçamento anual e as formas de uso deste orçamento.
Infelizmente, isso não está funcionando como deveria porque, na maioria das vezes, o ICMBio decide tudo, atropelando os conselhos, sem levar em consideração a vontade das comunidades.
Em nosso entendimento, a gestão participativa inclui a defesa e a busca de recursos para as comunidades. O órgão gestor (ICMBio) deve ajudá-las na solução de seus problemas e na busca de benefícios e projetos para as comunidades.
Papel dos conselheiros e do ICMBio
O papel dos conselheiros é fazer a gestão junto com as comunidades e o ICMBio, participando e deliberando sobre tudo que envolve a gestão das Unidades.
Além disso, nosso papel é manter a presença contínua nas comunidades; participar das discussões e tomada de decisão do Plano Operacional Anual da Unidade fazendo reuniões para informar, discutir, decidir, acompanhar e denunciar toda ameaça à floresta e aos Povos da Floresta. Cremos também que nosso papel seja o de levar e trazer demandas para o bom funcionamento da Unidade.
O(A) bom(boa) conselheiro(a) é aquele(a) que dá bons exemplos para que os comunitários não façam coisas erradas, que é bem esclarecido(a) nas questões de tomada de decisão, bem participativo(a) nas reuniões do conselho e em seu setor de trabalho, cumprindo portanto com seu objetivo de porta voz do povo ribeirinho.
Em nosso entendimento, o ICMBio tem o papel de realizar a gestão em parceria com as comunidades, tem obrigação de viabilizar recursos para o funcionamento do conselho assim como para o desenvolvimento das comunidades de acordo com o artigo 34 do SNUC.
Entendemos também que o ICMBio deve orientar a respeito da legislação ambiental, direitos e deveres, substituindo a prática da punição indiscriminada.
Deve também aprender a planejar junto com as comunidades, realizando seu plano de trabalho junto com os conselheiros, de modo que as ações sejam executadas de forma participativa.
Tanto o ICMBio como os conselheiros comunitários têm o dever de criar condições que possibilitem aos comunitários das UCs trabalho e produtividade para geração de renda de acordo com as normas exigidas na Unidade de Conservação.
Problemas:
Encontramos em nossas UCs diversos problemas, que podem ser resumidos da seguinte maneira:
1 Em relação ao ICMBio:
- Nas Flonas de Humaitá, Mapiá-Inauini, Balata Tufarí, nas Resex Ituxi e Cuniã, ocorrem conflitos com o ICMBio: abuso de autoridade, intimidação, desrespeito cultural das populações, pois o ICMBio só fiscaliza e não traz soluções.
- Diversos Planos de Manejo não saem do decreto, prestações de conta que não são feitas pela gestão das unidades aos conselhos. Os conselheiros não têm acesso aos arquivos do ICMBio.
- Lentidão e burocratização que dificultam a resolução dos problemas dentro das unidades.
- Não existe transparência no uso dos recursos da compensação do asfaltamento das estradas federais BR 319 e BR 317 assim como das hidrelétricas do Madeira.
- Falta de gestores mais atuantes nas comunidades.
- Troca constante de servidores que saem sem dar satisfação, atrasando a implementação das Unidades.
- Despreparo dos servidores para lidar com as populações tradicionais.
- Em alguns casos, falta de servidores do ICMBio leva as associações ter que realizar o trabalho do órgão gestor.
2 Em relação a Recursos:
- Não há compromisso do ICMBio com o extrativismo.
- Falta de recursos para os conselheiros realizarem seus trabalhos na comunidade, que acabam tendo que assumir os custos de deslocamento para as reuniões dos conselhos e dos setores.
- Faltam recursos, esclarecimentos e capacitação para as atividades produtivas nas UCs.
Soluções propostas:
1 Em relação ao ICMBio:
- Recursos para os conselheiros e a Secretaria Executiva trabalharem, dando condições para realizarem suas reuniões dentro das UCs.
- Transparência sobre todos os recursos que entram no ICMBio para a implementação das Unidades, especialmente das compensações das hidrelétricas e das BR-319 e BR-317.
- Participação dos conselheiros na tomada de decisão que envolvam a gestão das UCs.
- Que o ICMBio possa qualificar os servidores nomeados a trabalhar em UCs, principalmente na Amazônia.
- Aumentar número de servidores nessa região e o nível de capacitação para trabalhar com as populações tradicionais.
2 Em relação a Recursos
- Queremos um fundo orçamentário das UCs, que possa contemplar/facilitar os trabalhos dos conselheiros e projetos de desenvolvimento nas comunidades (Fundo de Pequenos Apoios).
- Construção participativa dos orçamentos anuais das UCs.
- Participação dos conselhos na decisão sobre e aplicação dos recursos nas unidades.
- Criação de um conselho permanente com representantes de cada UC junto à CR1 e CR2, tendo participação na tomada de decisão sobre tudo que envolve as Unidades da região.
- Revisão da IN MMA/MDA que exige regularização fundiária para as Unidades receberem os benefícios do INCRA.
3 Em relação a Planos de Manejo:
- Fazer os planos de manejo das Unidades, caso ele demore, realizar o plano de uso para as comunidades ficarem amparadas e poder trabalhar com tranquilidade.
- Sem os Planos de Manejos ninguém consegue nada, porque tudo esbarra nos Planos que não estão concluídos.
Entendemos que os problemas apresentados aqui somente serão equacionados com a revisão da regulamentação do SNUC, trabalho que está sendo realizado pela Comissão Interministerial. Solicitamos que os resultados desta Comissão sejam amplamente discutidos nos estados e esperamos que os compromissos assumidos pelas autoridades no Marajó sejam cumpridos com brevidade. Queremos continuar nosso trabalho de proteção da Amazônia com qualidade de vida para nossas comunidades.
Fonte: Facebook (15 nov. 2011)
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