domingo, 17 de junho de 2012

Narrativas de índios da Amazônia são similares a histórias bíblicas do Velho Testamento


O linguista e narratólogo Álvaro Fernando Rodrigues da Cunha, que pesquisou as línguas dos indígenas amazônicos da região do Nhamundá-Mapuera e do Alto Rio Guamá, identificou semelhanças entre as narrativas dos índios e histórias do Velho Testamento da Bíblia.

Os resultados desses estudos, que fizeram parte da pesquisa de doutorado do autor, constam do livro Teoria de cruzamento em oralidade e escrituralidade, recentemente publicado.  Cunha realizou cruzamentos entre as narrativas usando um método que ele afirma se tratar de nova teoria para estudos na área de ciências humanas e sociais.

O pesquisador, que defendeu sua tese de doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, afirma que a teoria aplicada em seu estudo pode ser ferramenta útil a outras áreas do conhecimento como direito, psicologia, jornalismo, história, geografia, antropologia, dentre outras.  Ela contribuiria para descrever e entender mais profundamente a noção de cultura, hábitos fundamentais, comportamento, valores, ideias e crenças característicos duma determinada coletividade, época ou região.

Cunha identificou similaridades entre as narrativas indígenas, inclusive temporais, e 17 narrativas bíblicas. “Tratando-se de povos isolados e que não possuem escrita com a Bíblia é algo, no mínimo, intrigante”, considerou o linguista. Ele ressalta que, no período em que conviveu com os índios, entre 2002 e 2005, estes estavam praticamente isolados da civilização. “Não tenho receio de dizer que as semelhanças podem ser atribuídas a um elo perdido”, acredita.

Em 2004, o linguista conviveu com os tenetehára, que habitam o Alto do Rio Guamá, no ramo Ocidental da Amazônia. Entre eles, encontrou semelhanças com as narrativas do Velho Testamento. “Já entre os mawayana, onde convivi por cerca de seis meses, pude constatar 14 narrativas semelhantes”, narra o linguista.

Em livro

As observações e análises de Cunha junto aos índios tiveram início quando ele decidiu descrever em seu estudo de mestrado, também na FFLCH, a fonologia da língua hakitía. Trata-se de uma língua de origem românica falada pela comunidade judaico-marroquina no norte do Brasil. “A origem do idioma é da Península Ibérica e foi mantida na Amazônia, quando judeus chegaram do Marrocos atraídos pelo ‘ciclo da borracha’, nos séculos 18 e 19”, relata.
Tese descreve cruzamentos e redefinição do Etos

Mais tarde, já em seu doutorado, Cunha realizou o estudo Narrativa na (língua judaico-marroquina) hakitía, orientado pelo professor Waldemar Ferreira Netto e apresentado no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH. O pesquisador buscava, então, suas próprias origens. Mas, ao se deparar com as coincidências nas narrativas optou por analisá-las, principalmente porque tem profundo conhecimento do Velho Testamento.

“Quando afirmo se tratar de uma nova teoria é porque as análises convencionais são, basicamente, unilaterais. Em meu estudo utilizei cruzamentos redefinindo o Etos [traços característicos de um grupo, do ponto de vista social e cultural, que o diferencia de outros], o que nos fez entender melhor as realidades das narrativas”, descreve o linguista.

Outro fato relevante foi a questão da temporalidade das narrativas. “Em geral, as narrativas indígenas eram localizadas nas mesmas épocas das narrativas bíblicas”, conta Cunha. Ao questionar os índios sobre onde aprenderam as histórias, todos diziam ter aprendido com seus antepassados.

“Os tenetehára contam que havia um povo perseguido e outro perseguidor. O povo perseguido só poderia passar para o outro lado do rio (igarapé) se soubesse pronunciar, com exatidão, a palavra ‘pirá’ (peixe), na língua dos perseguidores (mawayana)”, exemplifica o linguista. “À medida que os índios perseguidos enfileiravam-se para atravessar o rio (igarapé), os tenetehára lhes perguntavam como se falava a palavra ‘peixe’. Os perseguidos pronunciavam ‘birá’, em vez de ‘pirá’. Só neste dia os tenetehára mataram toda a tribo dos perseguidos”, descreve. Segundo Cunha, trata-se da mesma história bíblica de Juízes 12:5 e 6 — Então lhe diziam: Dize, pois, Chibolete; porém ele dizia: Sibolete; porque não o podia pronunciar bem; então pegavam dele, e o degolavam nos vaus do Jordão; e caíram de Efraim naquele tempo quarenta e dois mil.

“O próximo passo é saber quais as astúcias que as narrativas orais escondem de nós”, conclui o pesquisador.

Fonte: Indígenas da Amazônia têm narrativas similares às da Bíblia, por Antonio Carlos Quinto - acquinto@usp.br
Mais informações: alvarocunha@usp.br, com Álvaro Fernando Rodrigues da Cunha

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  1. Encontrei várias semelhanças também entre os povos do Alto Juruá, Acre. Fascinante!

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