domingo, 13 de maio de 2012

Quem está por trás da negação das mudanças climáticas


A Negação das Mudanças Climáticas e a Direita Organizada - Parte II: Mais Revelações

por Alexandre Araújo Costa

Não é difícil continuar a ligar os pontos, após a aparição do Sr. Ricardo Felício no programa do Jô Soares. Por que alguém se disporia a se expor ao ridículo daquela forma? Como alguém seria capaz de, na posição de doutor em Geografia, professor da USP e "climatologista", assassinar não apenas o conhecimento científico recente, mas leis básicas da Física, conhecimentos fundamentais de Química, Ecologia, etc.? O que levaria alguém a insultar de forma tão grosseira a comunidade acadêmica brasileira e internacional, principalmente a nós, Cientistas do Clima?

O que pretendo mostrar é que, para chegar a esse ponto, é preciso ter motivações. E estas, meus caros, não são de mera vaidade, desejo pelo estrelato, etc. É uma agenda.

Para os que quiserem continuar comigo a rastrear a motivação por trás dessa tal entrevista, peço que visitem, mesmo que isso dê a eles alguma audiência, o repositório dos vídeos do pop-star tupiniquim da negação das mudanças climáticas. Lá, os links direcionam para:
· o conhecido site do Movimento de Solidariedade Íbero-Americana, cujo nome pomposo esconde o neo-fascista Lerouchista, especializado em teorias conspiratórias e manipulação, e inimigo visceral, como se pode ver em seu site, do MST, do movimento feminista, do movimento de direitos humanos, da Comissão da Verdade, etc.;
· o não menos direitoso Mídia @ Mais, cujos artigos não consegui ler até o fim, mas que são de ataques de direita a Obama, de ridicularização do movimento dos moradores do Pinheirinho, em SJC, de combate à decisão do STF em considerar as cotas constitucionais e, claro, negação da mudança climática e ataques ao IPCC, etc.;
· um site anti-movimento ambientalista de nome Ecotretas, que, por sua vez, contém links neo-fascistas como Vermelhos Não, que, por sinal, está fazendo a campanha "Não Veta, Dilma", ou especializados em teorias conspiratórias como: Para um Mundo Livre, e até diretistas exóticos, defensores da restauração da monarquia em Portugal, Quarta República,  ou neo-salazaristas, Nacionalismo de Futuro.

Como coloquei em diversos momentos, não é a escolha político-ideológica que faz com que alguém tenha ou não razão em torno da questão climática. Tenho colegas, em minha comunidade de pesquisa, que simpatizam com os mais variados matizes político-ideológicos  -o que por si só já dificultaria que nos juntássemos numa "conspiração"... como é mesmo... ah!... para "conquistar uma governança mundial da ONU via painéis de clima", tipo de histeria típico da direita mais tresloucada dos EUA.

A questão do clima é objetiva. Os mecanismos de controle do clima são conhecidos, incluindo o papel dos gases de efeito estufa. As medições, os resultados de modelos (atacados de maneira desonesta pelo entrevistado), os testemunhos paleoclimáticos, todos convergem. E dentre todas as possíveis hipóteses para o fenômeno do aquecimento do sistema climático, a contribuição antrópica, via emissão de gases de efeito estufa, foi a única a permanecer de pé após todos os testes. Constatar isso independe de ideologia. Basta abrir os olhos. O tipo de política pública a ser aplicada para lidar com os impactos, a adaptação às mudanças e a mitigação das mesmas, aí sim... é um terreno em que as escolhas políticas adquirem grau de liberdade.

O problema é que, para uma determinada franja político-ideológica, no caso, a extrema-direita, há realmente incompatibilidade com qualquer agenda ambiental que possa significar controle público sobre o capital privado. Há também uma necessidade de ganhar respaldos afagando desejos escondidos da opinião pública - como o de que nada precisa ser feito a respeito das mudanças climáticas - e fazendo apelos ao nacionalismo (típico dos Mussolinis, dos Hitlers, dos Francos, dos Salazares e de tantas ditaduras de direita na América Latina), ainda que eventualmente isso signifique adotar um discurso falsamente anti-imperialista. Com esses objetivos "maiores", que incluem sabotar a campanha pelo veto presidencial sobre o monstro que é o Código Florestal aprovado pelos deputados, para que compromisso com a verdade científica? Para que ética e tratamento respeitoso em relação aos demais colegas de mundo acadêmico?

É impressionante como aqueles que nos acusam de "fraude", "conspiração", etc., na verdade, são exatamente os que as praticam. Como coloquei em outros textos que escrevi sobre o assunto, é preciso desmistificar cientificamente os pseudoargumentos apresentados pelos negadores (e isso tenho feito em outros textos), mas, como bem lembra o colega Michael Mann, eles são como a hidra. Sempre têm mais mentiras na manga para lançarem por aí, e não têm preocupação nenhuma em apresentarem um todo coerente em oposição aos pontos de vista da comunidade científica. Interessa a eles semearem confusão, ganharem espaço político, atrasarem ações de proteção da estabilidade climática, darem tempo aos que os financiam na base - ainda que possa haver negadores não ligados diretamente à indústria de petróleo e outras, mas já ficou evidente a ligação desta com a campanha articulada anticiência do clima em escala mundial.

A pseudociência e a impostura intelectual são as cabeças da hidra. O coração do monstro é a agenda político-ideológica. Mas a espada da verdade é longa o suficiente para ferir-lhe de morte!

Alexandre Araújo Costa é bacharel e mestre em Física pela Universidade Federal do Ceará, Ph.D em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University, com pós-doutorado pela Universidade de Yale. Possui publicações em diversos periódicos científicos, incluindo-se Science, Journal of the Amospheric Sciences e Atmospheric Research. É bolsista de produtividade do CNPq e membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Comentários
2 Comentários

2 comentários:

  1. Não discordando da sua posição nomeadamente em relação à ligação entre interesses, mais até do que ideologia, e interferências no processo de tomadas de decisão ou estudos que possam condicionar opções sobre politica energética, gostaria de sublinhar que a alteração climática, sendo talvez o efeito potencialmente mais perigoso, é apenas um efeito a médio prazo.

    Os outros efeitos imediatos, a nível da poluição, e mesmo envenenamento, da atmosfera e das águas, a devastação dos terrenos, o esgotamento de recursos, nomeadamente da água potável e das florestas, a redução de biodiversidade e em geral a perda de condições de vida, estão já aí, e resultam do mesmo desvario.

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  2. Felipe Luiz Gomes e Silva25 de maio de 2012 às 15:45

    O tema é complexo, polêmico. É claro que não há neutralidade científica. Eu não tenho base para negar afirmações, não sou físico, químico, ecologista, climatologista e nem biólogo. Gostaria de ouvir uma mesa de debates com cientistas. Seria interessante que o Roda Viva da TV Cultura fizesse uma roda viva com cientistas sobre o tema. Não com jornalistas, eles são bons. Mas gostaria de ouvir pesquisadores profundos. Existe o "efeito estufa"? As bufas dos animais provocam o buraco negro? Acredito que a defesa da biodiversidade animal e vegetal deve ser feita. Se a base científica for boa poderá fortalecer a defesa. Salve Pacha Mamma! Felipe Luiz Gomes e Silva.

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