A Negação das
Mudanças Climáticas e a Direita Organizada - Parte II: Mais Revelações
por Alexandre
Araújo Costa
Não é difícil
continuar a ligar os pontos, após a aparição do Sr. Ricardo Felício no programa
do Jô Soares. Por que alguém se disporia a se expor ao ridículo daquela forma?
Como alguém seria capaz de, na posição de doutor em Geografia, professor da USP
e "climatologista", assassinar não apenas o conhecimento científico
recente, mas leis básicas da Física, conhecimentos fundamentais de Química,
Ecologia, etc.? O que levaria alguém a insultar de forma tão grosseira a
comunidade acadêmica brasileira e internacional, principalmente a nós,
Cientistas do Clima?
O que
pretendo mostrar é que, para chegar a esse ponto, é preciso ter motivações. E
estas, meus caros, não são de mera vaidade, desejo pelo estrelato, etc. É uma
agenda.
Para os que
quiserem continuar comigo a rastrear a motivação por trás dessa tal entrevista,
peço que visitem, mesmo que isso dê a eles alguma audiência, o repositório dos vídeos do
pop-star tupiniquim da negação das mudanças climáticas. Lá, os links
direcionam para:
· o conhecido site do
Movimento
de Solidariedade Íbero-Americana, cujo nome pomposo esconde o
neo-fascista Lerouchista, especializado em teorias conspiratórias e manipulação,
e inimigo visceral, como se pode ver em seu site, do MST, do movimento
feminista, do movimento de direitos humanos, da Comissão da Verdade, etc.;
· o não menos
direitoso Mídia @ Mais, cujos artigos não
consegui ler até o fim, mas que são de ataques de direita a Obama, de
ridicularização do movimento dos moradores do Pinheirinho, em SJC, de combate à
decisão do STF em considerar as cotas constitucionais e, claro, negação da
mudança climática e ataques ao IPCC, etc.;
· um site
anti-movimento ambientalista de nome Ecotretas, que, por sua vez, contém
links neo-fascistas como Vermelhos Não,
que, por sinal, está fazendo a campanha "Não Veta, Dilma", ou
especializados em teorias conspiratórias como: Para um Mundo Livre,
e até diretistas exóticos, defensores da restauração da monarquia em Portugal, Quarta República, ou neo-salazaristas, Nacionalismo
de Futuro.
Como coloquei
em diversos momentos, não é a escolha político-ideológica que faz com que
alguém tenha ou não razão em torno da questão climática. Tenho colegas, em
minha comunidade de pesquisa, que simpatizam com os mais variados matizes
político-ideológicos -o que por si só já
dificultaria que nos juntássemos numa "conspiração"... como é
mesmo... ah!... para "conquistar uma governança mundial da ONU via painéis
de clima", tipo de histeria típico da direita mais tresloucada dos EUA.
A questão do
clima é objetiva. Os mecanismos de controle do clima são conhecidos, incluindo
o papel dos gases de efeito estufa. As medições, os resultados de modelos
(atacados de maneira desonesta pelo entrevistado), os testemunhos
paleoclimáticos, todos convergem. E dentre todas as possíveis hipóteses para o
fenômeno do aquecimento do sistema climático, a contribuição antrópica, via
emissão de gases de efeito estufa, foi a única a permanecer de pé após todos os
testes. Constatar isso independe de ideologia. Basta abrir os olhos. O tipo de
política pública a ser aplicada para lidar com os impactos, a adaptação às
mudanças e a mitigação das mesmas, aí sim... é um terreno em que as escolhas
políticas adquirem grau de liberdade.
O problema é
que, para uma determinada franja político-ideológica, no caso, a
extrema-direita, há realmente incompatibilidade com qualquer agenda ambiental
que possa significar controle público sobre o capital privado. Há também uma
necessidade de ganhar respaldos afagando desejos escondidos da opinião pública
- como o de que nada precisa ser feito a respeito das mudanças climáticas - e
fazendo apelos ao nacionalismo (típico dos Mussolinis, dos Hitlers, dos
Francos, dos Salazares e de tantas ditaduras de direita na América Latina), ainda
que eventualmente isso signifique adotar um discurso falsamente anti-imperialista.
Com esses objetivos "maiores", que incluem sabotar a campanha pelo
veto presidencial sobre o monstro que é o Código Florestal aprovado pelos
deputados, para que compromisso com a verdade científica? Para que ética e
tratamento respeitoso em relação aos demais colegas de mundo acadêmico?
É
impressionante como aqueles que nos acusam de "fraude",
"conspiração", etc., na verdade, são exatamente os que as praticam.
Como coloquei em outros textos que escrevi sobre o assunto, é preciso desmistificar
cientificamente os pseudoargumentos apresentados pelos negadores (e isso tenho
feito em outros textos), mas, como bem lembra o colega Michael Mann, eles são
como a hidra. Sempre têm mais mentiras na manga para lançarem por aí, e não têm
preocupação nenhuma em apresentarem um todo coerente em oposição aos pontos de
vista da comunidade científica. Interessa a eles semearem confusão, ganharem
espaço político, atrasarem ações de proteção da estabilidade climática, darem
tempo aos que os financiam na base - ainda que possa haver negadores não
ligados diretamente à indústria de petróleo e outras, mas já ficou evidente a
ligação desta com a campanha articulada anticiência do clima em escala mundial.
A pseudociência
e a impostura intelectual são as cabeças da hidra. O coração do monstro é a
agenda político-ideológica. Mas a espada da verdade é longa o suficiente para
ferir-lhe de morte!
Alexandre
Araújo Costa é bacharel e mestre em Física pela Universidade Federal do Ceará,
Ph.D em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University, com pós-doutorado
pela Universidade de Yale. Possui publicações em diversos periódicos
científicos, incluindo-se Science, Journal of the Amospheric Sciences e
Atmospheric Research. É bolsista de produtividade do CNPq e membro do Painel
Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Não discordando da sua posição nomeadamente em relação à ligação entre interesses, mais até do que ideologia, e interferências no processo de tomadas de decisão ou estudos que possam condicionar opções sobre politica energética, gostaria de sublinhar que a alteração climática, sendo talvez o efeito potencialmente mais perigoso, é apenas um efeito a médio prazo.
ResponderExcluirOs outros efeitos imediatos, a nível da poluição, e mesmo envenenamento, da atmosfera e das águas, a devastação dos terrenos, o esgotamento de recursos, nomeadamente da água potável e das florestas, a redução de biodiversidade e em geral a perda de condições de vida, estão já aí, e resultam do mesmo desvario.
O tema é complexo, polêmico. É claro que não há neutralidade científica. Eu não tenho base para negar afirmações, não sou físico, químico, ecologista, climatologista e nem biólogo. Gostaria de ouvir uma mesa de debates com cientistas. Seria interessante que o Roda Viva da TV Cultura fizesse uma roda viva com cientistas sobre o tema. Não com jornalistas, eles são bons. Mas gostaria de ouvir pesquisadores profundos. Existe o "efeito estufa"? As bufas dos animais provocam o buraco negro? Acredito que a defesa da biodiversidade animal e vegetal deve ser feita. Se a base científica for boa poderá fortalecer a defesa. Salve Pacha Mamma! Felipe Luiz Gomes e Silva.
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