quinta-feira, 24 de maio de 2012

Fotos de um flagrante crime ambiental na Amazônia


As fotos a seguir fazem parte do ensaio que o fotógrafo Wank Carmo realizou sobre o desmatamento ilegal que ocorre no estado de Roraima. Clique sobre elas para ampliá-las:









Wank aponta as razões de ter-se dedicado a seu ensaio fotográfico, no seguinte texto:

"A sabedoria da natureza é tal que não produz nada de supérfluo ou inútil." Nicolau Copérnico

Fotografia

Acredito que a maioria dos profissionais envolvidos com fotojornalismo, documentários e ensaios diversos, tenha compromisso com a melhoria de vida de nosso planeta. Eu tenho e acrescento que a “utopia é a véspera da mudança.” Quando percebi que tinha ocorrido uma orquestração silenciosa e sofisticada para acelerar o desmatamento da Amazônia, liguei as antenas e constatei que retornávamos a um pesadelo pós-Golpe Militar de 1964: destruir florestas e rios a qualquer preço.

A agonia da nossa biodiversidade havia sido estancada consideravelmente com a ajuda de uma nova política de fiscalização, capitaneada pelo Ibama, Ministério Público Federal e Polícia Federal, e dormia-se mais tranquilo, apesar das escaramuças dos criminosos, sempre de plantão. No entanto, Aldo Rebelo parte em rota de colisão com seus princípios ideológicos e adentra na sua fase definitiva, lusco-fusco, como ecocida intelectual da maior biodiversidade do planeta: elabora o novo Código Florestal, que é aprovado pela Câmara Federal em maio de 2011. Arma-se uma estratégia destrutiva das nossas reservas florestais e recursos hídricos, comandada por ruralistas, com a omissão do governo federal. A história ainda nos revelará em detalhes esta sórdida manobra.

Diante desse quadro, decidi tirar mais fôlego do meu tempo, para fazer minhas incursões em ermos que mereciam ser documentados, não importando os riscos, numa região infestada de interesses múltiplos e assassinos de todo tipo. Isso mesmo, o planeta ficou menor e as consequências da ganância aumentaram.

Para fazer este ensaio fotográfico, o caminho principal foi ter paciência, estudado a área e seus atores onde documentaria, planejar detalhadamente a viagem e partir com duas câmeras e duas lentes na mão, e a determinação de que só voltaria com o trabalho registrado. Comer pessimamente e dormir pouco, em lugares incertos, por questões estratégicas, foi e é café pequeno. Estou dando bom dia até para minha sombra. Também me treinei para aguentar pressão de qualquer sistema escroque e não me fazer de cretino, quando alguma coisa podre está sendo executada sob meus olhos e paciência curta. Vamos logo aos fatos...

Madeira

Ouvia falar que gente de outras paragens chegava ao estado de Roraima para tirar madeiras. Com eles, operadores de motosserra, tratoristas, exímios mateiros, experts conhecedores de madeira e pistoleiros.

Houve retirada de madeira em anos anteriores, mas não da forma como as informações me chegavam. Pensei, cá comigo: “Camarada, eu já vi esse quadro agressivo em Marabá (PA), 1970, Paragominas e outros ermos da Amazônia...” Decidi que iria rastrear essa história que latejava no juízo, pois me encontrava em operação, documentando queimadas. Só fiz juntar as duas coisas.

Durante o período de carnaval, enquanto a terra brasilis sambava ou aguardava o ano começar, entrei em varadouros e vicinais, e estive full-time investigando de onde saíam tantos caminhões com madeira que abastece os pátios de algumas madeireiras, sem nenhuma fiscalização nas estradas ou vicinais, naquele período. Conversei com as pessoas certas e aguardei a hora de dar o bote final. Assim, realizei este ensaio fotográfico, que mostra que a velha história do “manejo sustentável” é pura balela para desmatar, enriquecendo meia dúzia de empresários; e que a política do “corte raso” simultâneo, autorizado, significa “passar o rodo” e sacrificar castanheiras e aterrar igarapés de forma criminosa. Neste link os dados mais recentes sobre o desmatamento da Amazônia.

Como também não pretendo dar trégua a quem não lida bem com a Amazônia, já criei mecanismos legais de defesa, acionando a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Motivos? Consultem este site. Querem mais? assistam a este vídeo:


Não sou um documentarista convencional e não dou nenhum lado da cara para bater. Sou também ativista político eficiente e, neste momento, só tenho olhos para a questão ambiental, envolvendo um criminoso e aprovado Código Florestal, que talvez possa ser vetado, parcialmente, pela presidente Dilma. Isto é uma guerra? É, e foi declarada pela insana ganância do capital.

Agropecuária

O geógrafo Aziz Ab’Saber, ao falar em  privatização da Floresta Amazônica, afirma que “a medida trará renda apenas para os intermediadores do comércio dos produtos da floresta com o mercado nacional e estrangeiro”. Isto significa que milhões de pessoas que vivem precariamente da agricultura familiar - quando não estão ameaçadas pelas estradas ruins, pontes podres e falta de transporte para sua produção rumo aos mercados locais - são vítimas de grileiros laranjas que representam interesses de poderosos instalados nos grandes centros financeiros, com seus pistoleiros freelancers, em toda a Região Amazônica. Uma prova disto é que,  no Projeto de Desenvolvimento Social (PDS) Esperança, em Anapu (PA), há um conflito entre madeireiros ilegais e agricultores (eis o link da notícia). E acabo de receber uma informação gravíssima, através da mídia alternativa, de que ruralistas se reúnem com armas na mão para assassinar agricultores (link).

Todas as mazelas que ocorrem hoje na Amazônia nada mais são do que uma réplica estúpida da estratégia montada em 1964 pelo Golpe Militar, que tinha como meta “desenvolver” a Amazônia a qualquer preço.  O famigerado novo Código Florestal, edificado sob inequívoca encomenda de ruralistas, ressuscita e alimenta a cupidez daquele modelo econômico retrógado e cruel.  

Vamos aos dados reais e alarmantes colhidos junto a especialista na área.  A técnica judiciária Claudia Poggetto, em O impacto da criação de animais para o meio, explica que: “No Brasil, segundo o Instituto CEPA, um boi precisa de um a quatro hectares de terra e produz, em média, 210 kg de carne, no período de quatro a cinco anos. No mesmo tempo e na mesma quantidade de terra, produzem-se, em média oito toneladas de feijão ou 19 toneladas de arroz ou 23 toneladas de trigo ou 44 toneladas de batata, e assim por diante.”

Há uma ligação estreita entre a extração irresponsável de madeira e a agropecuária.  O desmatamento é consequência; a pecuária bovina é a causa. É bom lembrar aqui que o segmento produtivo, pernicioso, dos ruralistas avança não somente sobre as florestas e rios, mas também sobre os cerrados e lavrados, com suas vegetações nativas e recursos hídricos, como nascentes, córregos, igarapés e rios, e buritizais.

As imagens deste link mostram com clareza o assassinato de um lago e o aniquilamento sumário da vegetação dos lavrados, para abrir espaço ao agronegócio. O governo deveria ter uma política séria e rígida de aproveitamento de áreas já degradadas, fomentando o cultivo de pomares, pelo sistema de compostagem, milho, arroz, feijão, tubérculos, além da criação de peixes, para o consumo interno e exportação certa. Para isso, seria necessário ter, de forma efetiva, equipes de agrônomos, maquinários para arar a terra, em vez do fogo corriqueiro e autorizado (há, inclusive, um calendário de queimadas durante a estiagem, o que é um absurdo e estupidez máxima dos governantes), e toda uma infraestrutura para manter o colono com sua família na terra, como: escolas agrícolas (com treinamento intensivo) voltadas para um desenvolvimento sadio, estradas decentes, pontes, postos de saúde abastecidos com medicamentos e com médicos de boa cepa moral, ensino médio e fundamental, extensão universitária avançada e transporte regular, em todas as vicinais. Este sim, seria um país que iria para frente, e não esta cópia desbotada da ditadura militar.

Boi dá dinheiro?

De acordo com dados de especialistas, um boi necessita, no mínimo, de um hectare de terra (100 por 100 metros) para engordar a conta bancária do dono. Para isso, o madeireiro retirará inúmeras castanheiras e outras espécies nobres, toda uma biodiversidade com bilhões de anos de idade, não renovável, para aumentar uma boiada envenenada. Ok? Muito bem! Cálculos já feitos provam que um produtor de peixe, com vários tanques dentro de um hectare desmatado, sobreviverá economicamente muito mais tranquilo operacional e economicamente, porque só necessitará daquele espaço para abastecer sua família e vender o excedente - o que não ocorre com o criador de bois, que precisará de novos pastos, e com frequência.

É economicamente impossível um criador de peixe que não seja preguiçoso falir, porque já temos valores em dólares. Numa pesquisa, descobrimos que, numa venda para o exterior partindo de um ponto do Acre, o quilograma do tambaqui chega a 25 dólares, e esse valor triplicará, se mais investimentos forem realizados. Mais: 22 toneladas exportadas por semana, somente para três estados da região Norte, já ocorrem. Isto é real e já há empresários que se tocaram e trocaram o chifre pela escama.

Em uma fazenda com uma configuração operacional tradicional no Acre, o proprietário fez as contas orçamentárias, ambientais e morais, e resolveu reflorestar com açaí, em volta do açude, e outras espécies, uma área bem devastada. Ele anda rindo à toa de tanto ganhar dinheiro. Mais: mesmo que um piscicultor desmate 10 hectares, os danos ao meio ambiente serão ínfimos, se olhamos agora via satélite, toda a destruição que se encontra em pleno avanço na Região Amazônica com o apoio deste governo.

Em 2008, o governo federal mapeou o desmate de 719.210,99 quilômetros quadrados entre os nove estados que integram a Região Amazônica: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Estamos em 2012, e, bem antes da aprovação do novo Código Florestal, os grupos ruralistas receberam a senha para avançarem na destruição de toda a Amazônia, inclusive, invadindo terras indígenas já homologadas e demarcadas, como vem ocorrendo no Pará e Acre, conforme bem esclarece o site Racismo Ambiental.

 Alerto todos para se aprofundarem na realidade que a mídia oficial, do grande capital, não mostra. As consequências já ocorrem, quando verificamos o acirramento de ânimos. Há duas frentes dispostas a lutar: um grupo de ruralistas criminosos, que irão insistir na devastação da biodiversidade, e os legítimos donos da terra. Isto é fato e adquire configuração irreversível.

Trabalho escravo

Era o dia 10 de Maio de 2012, e a Câmara dos Deputados estava ensebando para aprovar a PEC do Trabalho Escravo. Fico sabendo que o deputado Marquezelli PTB-SP acabava de externar: “Se eu, na minha propriedade, matar alguém, tenho direito à defesa. Se tiver bom advogado, não vou nem preso. Mas se der a um funcionário um trabalho que será visto como trabalho escravo, minha esposa e meus herdeiros vão ficar sem um imóvel. É uma penalidade muito maior do que tirar a vida de alguém. A espinha dorsal da Constituição brasileira é o direito à propriedade”. No mesmo dia, elementos da estirpe de Marquezelli, cinicamente, alegaram que seria preciso definir o que é escravidão e adiaram a votação da lei.

Chamou-me a atenção o grande volume de ouriços de castanha-do-pará  quebrados ao meio, nos varadouros na zona de pilhagem. Isto significa que, além de os madeireiros terem destruído inúmeras castanheiras, seus frutos serviram para alimentar os empregados na operação de desmate. Por quê? Não havia alimento suficiente para os trabalhadores? As condições de acomodação dos trabalhadores, reveladas pelas fotografias, mostram com clareza os acampamentos miseráveis e provam que, não há humanismo quando se trata de ganhar dinheiro às custas de pessoas com parcos esclarecimentos...

Essa estratégia tem nome: quebrar o espírito do ser humano, através do sofrimento vitalício, como se vivêssemos o período de colonização europeia no Brasil; ou como se estivéssemos caçando índios para tirar balata no baixo rio Branco, como registrou o fotógrafo e etnólogo Theodor Kock Krumberg na sua obra Do Roraima ao Orenoco.

Escravidão é crime!!! É bom frisar que o Estado brasileiro tem sido tão perverso, que permitiu que a PEC do Trabalho Escravo (PEC 438/01) ficasse mofando há mais de 10 anos no Congresso Nacional, alimentando a linha de raciocínio retrógada de alguns ruralistas que exploram pessoas inocentes, amarrando-as economicamente dentro das fazendas, descontando dos parcos salários delas o que elas consomem. O vídeo neste link ilustra bem este crime.

Agronegócio é droga pura

O documentário, de Silvio Tendler, O veneno está na mesa, não deixa margem de dúvidas quanto aos malefícios que o agronegócio vem produzindo à saúde do brasileiro. E chega o aviso dramático do Mato Grosso, terra da soja: Pesquisa identifica agrotóxico em amostras de leite materno

No site Racismo Ambiental, encontra-se um relato estarrecedor: “Dois documentos divulgados no final de abril alertam para o risco de surgimento de câncer pelo excessivo uso dos agrotóxicos no Brasil. No dia 29, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) lançou a primeira parte do dossiê, Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde, que busca, através de evidências científicas, chamar a atenção às doenças causadas pela exposição a esses produtos químicos. Conforme o dossiê da Abrasco, além dos efeitos imediatos, como intoxicação e morte, os efeitos crônicos podem ocorrer meses, anos ou décadas após a exposição aos agrotóxicos, manifestando-se em várias doenças como cânceres, má formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.”

Segundo Luiz Augusto Facchini, presidente da Abrasco, “a população exposta aos agrotóxicos vai desde os trabalhadores do campo e de fábricas que produzem os venenos até a população do entorno das áreas agrícolas e consumidores de alimentos contaminados.” Olhem a desgraceira que o agronegócio faz na vida das pessoas, e quem tiver estômago só para comer, não leia!

Já o Instituto Nacional do Câncer (Inca) divulgou, no dia 30 de abril, um documento em que também relaciona a ocorrência de câncer ao uso dos agrotóxicos. De acordo com o estudo do Inca, o Brasil registra em torno de 500 mil novos casos de câncer por ano, muitos deles relacionados diretamente ao aumento do uso de agrotóxicos, seja na sua aplicação e exposição, mas sobretudo pelo seu acúmulo dentro dos alimentos. O estudo do Inca destaca o surgimento de câncer nos trabalhadores que aplicam e usam agrotóxico nas lavouras.

Fiscalização via IBAMA

Durante anos, o Ibama esteve a serviço da diminuição expressiva dos danos à natureza brasileira. Para tentar diminuir a eficácia do belíssimo trabalho desse órgão, os ruralistas contaram com o apoio de um Senado vassalo dos interesses múltiplos e bilionários do agronegócio e aprovaram uma lei diminuindo obrigações do Ibama de fiscalizar e multar desmatamento ilegais, transferindo aos estados essa obrigação, através da Lei Complementar nº 140/2011. De acordo com essa lei, o Ibama age em pareceria, como órgão de fiscalização dos governos estaduais e municipais, mas quem libera o DOF – Documento de Origem Florestal, agora, são as unidades de fiscalização nos estados.

Uma palavra final

Trate bem a Terra. Ela não foi doada a você por seus pais. Ela foi emprestada a você por seus filhos. (provérbio africano)

Wank Carmo é fotógrafo há mais de 30 anos, destacando-se no fotojornalismo e documentação, com um trabalho vigoroso sobre as águas, matas e gente da Amazônia.

Veja publicação do Ministério Público Federal de Roraima, de 23 de maio de 2012: 

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