As fotos a
seguir fazem parte do ensaio que o fotógrafo Wank Carmo realizou sobre o
desmatamento ilegal que ocorre no estado de Roraima. Clique sobre elas para ampliá-las:
Wank aponta
as razões de ter-se dedicado a seu ensaio fotográfico, no seguinte texto:
"A sabedoria da natureza é tal que não produz
nada de supérfluo ou inútil." Nicolau Copérnico
Fotografia
Acredito que
a maioria dos profissionais envolvidos com fotojornalismo, documentários e
ensaios diversos, tenha compromisso com a melhoria de vida de nosso planeta. Eu
tenho e acrescento que a “utopia é a véspera da mudança.” Quando percebi que
tinha ocorrido uma orquestração silenciosa e sofisticada para acelerar o
desmatamento da Amazônia, liguei as antenas e constatei que retornávamos a um
pesadelo pós-Golpe Militar de 1964: destruir florestas e rios a qualquer preço.
A agonia da
nossa biodiversidade havia sido estancada consideravelmente com a ajuda de uma
nova política de fiscalização, capitaneada pelo Ibama, Ministério Público
Federal e Polícia Federal, e dormia-se mais tranquilo, apesar das escaramuças
dos criminosos, sempre de plantão. No entanto, Aldo Rebelo parte em rota de
colisão com seus princípios ideológicos e adentra na sua fase definitiva,
lusco-fusco, como ecocida intelectual da maior biodiversidade do planeta:
elabora o novo Código Florestal, que é aprovado pela Câmara Federal em maio de
2011. Arma-se uma estratégia destrutiva das nossas reservas florestais e
recursos hídricos, comandada por ruralistas, com a omissão do governo federal. A história ainda nos revelará em detalhes esta
sórdida manobra.
Diante desse
quadro, decidi tirar mais fôlego do meu tempo, para fazer minhas
incursões em ermos que mereciam ser documentados, não importando os riscos,
numa região infestada de interesses múltiplos e assassinos de todo tipo. Isso
mesmo, o planeta ficou menor e as consequências da ganância aumentaram.
Para fazer
este ensaio fotográfico, o caminho principal foi ter paciência, estudado a área
e seus atores onde documentaria, planejar detalhadamente a viagem e partir com
duas câmeras e duas lentes na mão, e a determinação de que só voltaria com o
trabalho registrado. Comer pessimamente e dormir pouco, em lugares incertos, por
questões estratégicas, foi e é café pequeno. Estou dando bom dia até para minha
sombra. Também me treinei para aguentar pressão de qualquer sistema escroque e
não me fazer de cretino, quando alguma coisa podre está sendo executada sob
meus olhos e paciência curta. Vamos logo aos fatos...
Madeira
Ouvia falar
que gente de outras paragens chegava ao estado de Roraima para tirar madeiras.
Com eles, operadores de motosserra, tratoristas, exímios mateiros, experts
conhecedores de madeira e pistoleiros.
Houve retirada de madeira em anos anteriores, mas não da forma como as informações me
chegavam. Pensei, cá comigo: “Camarada, eu já vi esse quadro agressivo em
Marabá (PA), 1970, Paragominas e outros ermos da Amazônia...” Decidi que iria
rastrear essa história que latejava no juízo, pois me encontrava em operação, documentando queimadas. Só fiz juntar as duas coisas.
Durante o
período de carnaval, enquanto a terra brasilis sambava ou aguardava o ano
começar, entrei em varadouros e vicinais, e estive full-time investigando de
onde saíam tantos caminhões com madeira que abastece os pátios de algumas
madeireiras, sem nenhuma fiscalização nas estradas ou vicinais, naquele
período. Conversei com as pessoas certas e aguardei a hora de dar o bote final.
Assim, realizei este ensaio fotográfico, que mostra que a velha história do
“manejo sustentável” é pura balela para desmatar, enriquecendo meia dúzia de
empresários; e que a política do “corte raso” simultâneo, autorizado, significa
“passar o rodo” e sacrificar castanheiras e aterrar igarapés de forma
criminosa. Neste link
os dados mais recentes sobre o desmatamento da Amazônia.
Como também
não pretendo dar trégua a quem não lida bem com a Amazônia, já criei mecanismos
legais de defesa, acionando a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Motivos? Consultem este site.
Querem mais? assistam a este vídeo:
Não sou um
documentarista convencional e não dou nenhum lado da cara para bater. Sou
também ativista político eficiente e, neste momento, só tenho olhos para a
questão ambiental, envolvendo um criminoso e aprovado Código Florestal, que
talvez possa ser vetado, parcialmente, pela presidente Dilma. Isto é uma
guerra? É, e foi declarada pela insana ganância do capital.
Agropecuária
O geógrafo
Aziz Ab’Saber, ao falar em privatização da Floresta Amazônica,
afirma que “a medida trará renda apenas para os intermediadores do comércio dos
produtos da floresta com o mercado nacional e estrangeiro”. Isto significa que
milhões de pessoas que vivem precariamente da agricultura familiar - quando não
estão ameaçadas pelas estradas ruins, pontes podres e falta de transporte para
sua produção rumo aos mercados locais - são vítimas de grileiros laranjas que
representam interesses de poderosos instalados nos grandes centros financeiros,
com seus pistoleiros freelancers, em toda a Região Amazônica. Uma prova disto é
que, no Projeto de Desenvolvimento Social
(PDS) Esperança, em Anapu (PA), há um conflito entre madeireiros ilegais e
agricultores (eis o link
da notícia). E acabo de receber uma informação gravíssima, através da
mídia alternativa, de que ruralistas se reúnem com armas na mão para assassinar
agricultores (link).
Todas as
mazelas que ocorrem hoje na Amazônia nada mais são do que uma réplica estúpida
da estratégia montada em 1964 pelo Golpe Militar, que tinha como meta “desenvolver”
a Amazônia a qualquer preço. O
famigerado novo Código Florestal, edificado sob inequívoca encomenda de
ruralistas, ressuscita e alimenta a cupidez daquele modelo econômico retrógado
e cruel.
Vamos aos
dados reais e alarmantes colhidos junto a especialista na área. A técnica judiciária Claudia Poggetto, em O
impacto da criação de animais para o meio, explica que: “No
Brasil, segundo o Instituto CEPA, um boi precisa de um a quatro hectares de
terra e produz, em média, 210 kg de carne, no período de quatro a cinco anos.
No mesmo tempo e na mesma quantidade de terra, produzem-se, em média oito toneladas
de feijão ou 19 toneladas de arroz ou 23 toneladas de trigo ou 44 toneladas de
batata, e assim por diante.”
Há uma
ligação estreita entre a extração irresponsável de madeira e a agropecuária. O desmatamento é consequência; a pecuária
bovina é a causa. É bom lembrar aqui que o segmento produtivo, pernicioso, dos ruralistas
avança não somente sobre as florestas e rios, mas também sobre os cerrados e
lavrados, com suas vegetações nativas e recursos hídricos, como nascentes,
córregos, igarapés e rios, e buritizais.
As imagens deste
link
mostram com clareza o assassinato de um lago e o aniquilamento sumário da
vegetação dos lavrados, para abrir espaço ao agronegócio. O governo deveria ter
uma política séria e rígida de aproveitamento de áreas já degradadas,
fomentando o cultivo de pomares, pelo sistema de compostagem, milho, arroz,
feijão, tubérculos, além da criação de peixes, para o consumo interno e
exportação certa. Para isso, seria necessário ter, de forma efetiva, equipes de
agrônomos, maquinários para arar a terra, em vez do fogo corriqueiro e
autorizado (há, inclusive, um calendário de queimadas durante a estiagem, o que
é um absurdo e estupidez máxima dos governantes), e toda uma infraestrutura
para manter o colono com sua família na terra, como: escolas agrícolas (com
treinamento intensivo) voltadas para um desenvolvimento sadio, estradas
decentes, pontes, postos de saúde abastecidos com medicamentos e com médicos de
boa cepa moral, ensino médio e fundamental, extensão universitária avançada e
transporte regular, em todas as vicinais. Este sim, seria um país que iria para
frente, e não esta cópia desbotada da ditadura militar.
Boi dá dinheiro?
De acordo com
dados de especialistas, um boi necessita, no mínimo, de um hectare de terra
(100 por 100 metros) para engordar a conta bancária do dono. Para isso, o
madeireiro retirará inúmeras castanheiras e outras espécies nobres, toda uma
biodiversidade com bilhões de anos de idade, não renovável, para aumentar uma
boiada envenenada. Ok? Muito bem! Cálculos já feitos provam que um produtor de
peixe, com vários tanques dentro de um hectare desmatado, sobreviverá economicamente
muito mais tranquilo operacional e economicamente, porque só necessitará
daquele espaço para abastecer sua família e vender o excedente - o que não
ocorre com o criador de bois, que precisará de novos pastos, e com frequência.
É
economicamente impossível um criador de peixe que não seja preguiçoso falir,
porque já temos valores em dólares. Numa pesquisa, descobrimos que, numa venda
para o exterior partindo de um ponto do Acre, o quilograma do tambaqui chega a 25
dólares, e esse valor triplicará, se mais investimentos forem realizados. Mais:
22 toneladas exportadas por semana, somente para três estados da região Norte,
já ocorrem. Isto é real e já há empresários que se tocaram e trocaram o
chifre pela escama.
Em uma
fazenda com uma configuração operacional tradicional no Acre, o proprietário
fez as contas orçamentárias, ambientais e morais, e resolveu reflorestar com
açaí, em volta do açude, e outras espécies, uma área bem devastada. Ele anda
rindo à toa de tanto ganhar dinheiro. Mais: mesmo que um piscicultor desmate 10
hectares, os danos ao meio ambiente serão ínfimos, se olhamos agora via
satélite, toda a destruição que se encontra em pleno avanço na Região Amazônica
com o apoio deste governo.
Em 2008, o
governo federal mapeou o desmate de 719.210,99 quilômetros quadrados entre os
nove estados que integram a Região Amazônica: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão,
Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Estamos em 2012, e, bem antes
da aprovação do novo Código Florestal, os grupos ruralistas receberam a senha
para avançarem na destruição de toda a Amazônia, inclusive, invadindo terras
indígenas já homologadas e demarcadas, como vem ocorrendo no Pará e Acre,
conforme bem esclarece o site Racismo
Ambiental.
Alerto todos
para se aprofundarem na realidade que a mídia oficial, do grande capital, não
mostra. As consequências já ocorrem, quando verificamos o acirramento de ânimos.
Há duas frentes dispostas a lutar: um grupo de ruralistas criminosos, que irão
insistir na devastação da biodiversidade, e os legítimos donos da terra. Isto é
fato e adquire configuração irreversível.
Trabalho escravo
Era o dia 10
de Maio de 2012, e a Câmara dos Deputados estava ensebando para aprovar a PEC
do Trabalho Escravo. Fico sabendo que o deputado Marquezelli PTB-SP acabava de
externar: “Se eu, na minha propriedade, matar alguém, tenho direito à defesa.
Se tiver bom advogado, não vou nem preso. Mas se der a um funcionário um
trabalho que será visto como trabalho escravo, minha esposa e meus herdeiros
vão ficar sem um imóvel. É uma penalidade muito maior do que tirar a vida de
alguém. A espinha dorsal da Constituição brasileira é o direito à propriedade”.
No mesmo dia, elementos da estirpe de Marquezelli, cinicamente, alegaram que seria
preciso definir o que é escravidão e adiaram a votação da lei.
Chamou-me a
atenção o grande volume de ouriços de castanha-do-pará quebrados ao meio, nos varadouros na zona de
pilhagem. Isto significa que, além de os madeireiros terem destruído inúmeras
castanheiras, seus frutos serviram para alimentar os empregados na operação de
desmate. Por quê? Não havia alimento suficiente para os trabalhadores? As
condições de acomodação dos trabalhadores, reveladas pelas fotografias, mostram
com clareza os acampamentos miseráveis e provam que, não há humanismo quando se
trata de ganhar dinheiro às custas de pessoas com parcos esclarecimentos...
Essa
estratégia tem nome: quebrar o espírito do ser humano, através do sofrimento
vitalício, como se vivêssemos o período de colonização europeia no Brasil; ou
como se estivéssemos caçando índios para tirar balata no baixo rio Branco, como
registrou o fotógrafo e etnólogo Theodor Kock Krumberg na sua obra Do Roraima ao Orenoco.
Escravidão é
crime!!! É bom frisar que o Estado brasileiro tem sido tão perverso, que
permitiu que a PEC do Trabalho Escravo (PEC 438/01) ficasse mofando há mais de
10 anos no Congresso Nacional, alimentando a linha de raciocínio retrógada de
alguns ruralistas que exploram pessoas inocentes, amarrando-as economicamente
dentro das fazendas, descontando dos parcos salários delas o que elas consomem.
O vídeo neste link
ilustra bem este crime.
Agronegócio é droga pura
O
documentário, de Silvio Tendler, O
veneno está na mesa, não deixa margem de dúvidas quanto aos malefícios
que o agronegócio vem produzindo à saúde do brasileiro. E chega o aviso
dramático do Mato Grosso, terra da soja: Pesquisa
identifica agrotóxico em amostras de leite materno.
No site Racismo
Ambiental, encontra-se um relato estarrecedor: “Dois documentos
divulgados no final de abril alertam para o risco de surgimento de câncer pelo
excessivo uso dos agrotóxicos no Brasil. No dia 29, a Associação Brasileira de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) lançou a primeira parte do dossiê, Um
alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde, que busca,
através de evidências científicas, chamar a atenção às doenças causadas pela
exposição a esses produtos químicos. Conforme o dossiê da Abrasco, além dos
efeitos imediatos, como intoxicação e morte, os efeitos crônicos podem ocorrer
meses, anos ou décadas após a exposição aos agrotóxicos, manifestando-se em
várias doenças como cânceres, má formação congênita, distúrbios endócrinos,
neurológicos e mentais.”
Segundo Luiz
Augusto Facchini, presidente da Abrasco, “a população exposta aos agrotóxicos
vai desde os trabalhadores do campo e de fábricas que produzem os venenos até a
população do entorno das áreas agrícolas e consumidores de alimentos
contaminados.” Olhem a desgraceira que o agronegócio faz na vida das pessoas, e
quem tiver estômago só para comer, não leia!
Já o
Instituto Nacional do Câncer (Inca) divulgou, no dia 30 de abril, um documento
em que também relaciona a ocorrência de câncer ao uso dos agrotóxicos. De
acordo com o estudo do Inca, o Brasil registra em torno de 500 mil novos casos
de câncer por ano, muitos deles relacionados diretamente ao aumento do uso de
agrotóxicos, seja na sua aplicação e exposição, mas sobretudo pelo seu acúmulo
dentro dos alimentos. O estudo do Inca destaca o surgimento de câncer nos
trabalhadores que aplicam e usam agrotóxico nas lavouras.
Fiscalização via IBAMA
Durante anos,
o Ibama esteve a serviço da diminuição expressiva dos danos à natureza
brasileira. Para tentar diminuir a eficácia do belíssimo trabalho desse órgão,
os ruralistas contaram com o apoio de um Senado vassalo dos interesses
múltiplos e bilionários do agronegócio e aprovaram uma lei diminuindo
obrigações do Ibama de fiscalizar e multar desmatamento ilegais, transferindo
aos estados essa obrigação, através da Lei Complementar nº 140/2011. De
acordo com essa lei, o Ibama age em pareceria, como órgão de fiscalização dos governos estaduais e municipais, mas quem libera o DOF – Documento de Origem
Florestal, agora, são as unidades de fiscalização nos estados.
Uma palavra final
Trate bem a Terra. Ela não foi doada a você por
seus pais. Ela foi emprestada a você por seus filhos. (provérbio africano)
Wank Carmo é fotógrafo há mais de 30 anos, destacando-se no fotojornalismo
e documentação, com um trabalho vigoroso sobre as águas, matas e gente da
Amazônia.
Veja publicação do Ministério Público Federal de Roraima, de 23 de maio de 2012:
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