O jovem filósofo Renato Mateus brindou-nos, nas redes sociais, com a publicação de suas sábias reflexões sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, os direitos humanos, o modelo econômico escolhido e os valores democráticos que estão em cena diante da construção dessa megausina. A imagem acima é reprodução de charge de Angelo Agostini, um dos primeiros cartunistas brasileiros e abolicionista. Eis o texto de Mateus:
Belo Monte e a nossa frágil democracia
Poderia começar este texto com uma discussão filosófica a cerca do que é Belo, mas a realidade nos mostra que a abstração sobre o que Belo Monte teria de Belo seria um esforço intelectual desnecessário, pois é evidente que se trata de um eufemismo somado à falácia desenvolvimentista.
Vivemos num estado democrático de direitos, assim afirma nossa constituição. Temos como sistema político uma democracia representativa, ou seja, escolhemos representantes através do sufrágio universal (voto), sendo eleito aquele escolhido pela maioria. Então, poderíamos dizer que uma democracia é simplesmente a vontade da maioria? Não! Não podemos, porque além da vontade da maioria, uma democracia deve garantir os direitos de suas minorias. E, a saber, os indígenas hoje se somam as nossas minorias.
Depois de muitos anos de extermínio dos povos nativos, os índios lutam para manter sua cultura e a sua terra, que frequentemente desperta disputa política. A história dos indígenas em nosso país traz consigo a barbárie. A Constituição Federal, no artigo 231, trata dos direitos dos índios. Mas ter seus direitos previstos na Constituição não é a sua garantia. No momento, o processo de construção de Belo Monte nos mostra isso.
Cabem algumas reflexões: O processo de construção de Belo Monte respeita os preceitos da nossa democracia? Belo Monte respeita a nossa Constituição? Se a sua resposta for não, você tem como evidente que assim como está não pode continuar.
Há quem diga que se colocar contra a construção de Belo Monte é ser contra o desenvolvimento do país. Vale lembrá-los que este mesmo país, por mais de vinte anos viveu sob um regime ditatorial, e seu principal jargão era o “desenvolvimento”. Havia um slogan difundido no governo dos militares com os seguintes dizeres: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. E, ao que parece, de certa forma, hoje o que se aplica aos moradores e aos que vivem na região da bacia do Xingu pode se resumir a: Belo monte, aceite ou mude-se.
Felizmente não estamos numa ditadura propriamente dita, mas nossa democracia muitas vezes se demonstra frágil, e isto é evidenciado quando o Estado se mostra autoritário, atropelando tudo e todos que se opõem as suas decisões, ora demitindo, ora com toda a gentileza aconselhando o pedido de demissão. Sem prestar contas à sociedade, utiliza-se do discurso de que defendem os interesses nacionais, ludibriando tolos, inflamando nos cidadãos a doença do nacionalismo.
O autoritarismo quer o pensamento único, a democracia quer o pensamento livre.
Hoje podemos dizer o que não era dito na ditadura, quando a liberdade de pensamento estava sob pena de tortura e morte. Porém, nem sempre é assim. Como sabemos, os que defendem a floresta têm a liberdade de expressão amordaçada nesta dita democracia. Extrativistas foram mortos porque lutavam para manter a floresta de pé, porque denunciavam madeireiras ilegais. Homens e mulheres que lutavam pelo cumprimento da lei, mulheres e homens foram mortos porque direta e indiretamente se opuseram ao “desenvolvimento”.
É necessário pensar antes de defender a falácia governista, pois o governo é nosso representante, mas não nossa vontade. Pergunte-se: a quem serve este modelo de desenvolvimento?
Mesmo que neguem o discurso fascista por trás de tudo, é sempre bom buscar na história momentos parecidos que nossa sociedade já viveu, e como muitos já disseram, repito: a história não deve ser esquecida. Sem muito que dizer em defesa de Belo Monte, a não ser que o país precisa de energia, o ataque se dirige aos movimentos sociais e aos indigenistas, tratando-os como aqueles que atrapalham o progresso. Fato pertinente, já que os abolicionistas, no período do Brasil escravista, eram também contra o progresso - vejam só que ironia. Pelo visto, aprendemos pouco com a nossa história. O Brasil ainda não aprendeu a conviver com as diferenças, muito menos a respeitá-las.
Pensar estrategicamente as questões do nosso país não é o mesmo que querer importar um modelo de desenvolvimento dos grandes centros urbanos para quem vive na floresta. É preciso aprender que a natureza não está à parte. Ela não é somente florestas e animais selvagens. A natureza somos nós - e os índios já sabem disso há muito tempo - se destruírmos as florestas, destruiremos a possibilidade de conhecimento. Além de prejudicar os que dependem diretamente dela para viver, também destruiremos e prejudicaremos a nós que vivemos em grandes cidades cinzentas.
Opor-se a Belo Monte, além de lutar contra um processo de destruição da floresta e da vida dos que ali estão, é igualmente lutar contra o autoritarismo do Estado que tenta fazer das instituições públicas apenas mais um braço do Executivo, é lutar pela democracia, pelos direitos humanos - que, em encontros internacionais, são colocados com relevância, porém, internamente, são ignorados.
Essa democracia pela qual muitos deram a vida não pode se deixar corromper pelos germes fascistas. Os valores democráticos dos brasileiros muitas vezes se perdem em meio a uma vida pautada pelo consumo, limitada à ida nas urnas em época de eleições.
Dentro de mim uma pergunta não se cala, por isso, divido com vocês: Belo Monte vale mais que a nossa democracia?
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