domingo, 14 de agosto de 2011

Guerrilha do Araguaia: ideais ceifados e vozes silenciadas

No Araguaia, Raimundo Cacaúba, cortador de cabeças, teve a sua partida ao meio.

por Merces Castro, 9 de agosto de 2011


Ele se chamava Raimundo. Tinha vários codinomes: Baixinho, Cacaúba. Durante a Guerrilha do Araguaia, por ser bom caçador, foi obrigado a rastrear os meninos guerrilheiros e especializou-se em cortar-lhes a cabeça.

Quando de minha última expedição ao Araguaia, por imposição, tive que fazer um deslocamento de mil quilômetros, em três dias, pela Transamazônica - a qual eu não chamaria de estrada.

Estávamos junto de outro rastreador muito amigo de Cacaúba. Ele nos levaria à casa de um terceiro guia, para que este nos informasse sobre um ponto específico na Serra dos Martírios/Andorinhas.

Nossos caminhos foram desviados várias vezes pelas cidades do Pará. O guia não moraria mais em São Félix do Xingu, mas em Anapu. Lá chegando, soubemos que ele havia se mudado para Tucuruí.

No trajeto para Novo Repartimento (PA), encontramos índios Parakanãs, que me reconheceram como a irmã do Raul e que o buscava pelas matas. Chamaram-me de "cendira", ou seja, irmã.

Claro que fui visitar a irmã Dorothy... Só agora entendi que precisava fazer aquele ritual todo, pois, ao chegar a Xambioá, fiquei sabendo do bárbaro assassinato do rastreador Raimundo Cacaúba/Baixinho. Sua cabeça tinha sido partida ao meio, a golpes de facão... Clara mensagem de que queriam arrancar-lhe a ideia de considerar justo que a minha família pudesse dar um enterro digno ao meu irmão. Cacaúba já havia manifestado isso por várias vezes.

Durante o carnaval deste ano, Jadiel, Hugo Studart, Diva Santana e eu passamos dez dias na companhia de Cacaúba na fazenda Matrinxã, onde Simão e meu irmão, Raul, foram executados. Procurávamos fragmentos dos corpos deles, pois as partes maiores tinham sido retiradas pelo próprio Cacaúba, mandado que fora, provavelmente pelo que se tornou seu algoz.

Como castigo por ter a pretensão de pensar, teve seu crânio partido. Ele sabia que sua "batata estava assando", ao não ser convidado para uma reunião de guias, realizada no início de julho passado. Teve, por isso, o cuidado de pedir a uma pessoa de sua inteira confiança que nos ajudasse a encontrar o corpo de meu irmão, caso algo lhe acontecesse. Conhecia ele a extensão e como agia o mal.

Tentei por vários dias entender tudo, mas a violência não se entende, se combate. É possível que o assassinato de Raimundo Cacaúba suba palanques e gere discursos vazios de quem não conheceu a enorme inquietude de sua alma por ter praticado atos indignos. É possível que quase ninguém faça uma reflexão sobre o fato de que A LEI DO SILÊNCIO NO ARAGUAIA CONTINUA CORTANDO CABEÇAS, TENTANDO APAGAR IDEAIS, numa demonstração nítida de que rola a de qualquer um que tenha cabeça. Embora eu saiba QUE A MAIORIA NÃO CORRE ESTE RISCO!!!

Cacaúba às vezes mergulhava em seus pensamentos, me olhava e pedia desculpas, e dizia: "Será que estou virando terrorista?". Alguém chegou a esta conclusão! E é possível que se chegue a um laudo dizendo que foi fatalidade, que foi para roubar a mansão dele. E que nunca se admita que a verdadeira mensagem desse assassinato seja: CALA-TE PARA SEMPRE ARAGUAIA!

Casa de Cacaúba
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