quarta-feira, 1 de junho de 2011

Em vez de língua pátria, a língua frátria

Nessa composição, chamada Língua, Caetano Veloso joga com homônimos, parônimos, neologismos, estrangeirismos, metonímias, intertextualidade, língua versus discurso, uma "profusão de paródias", em busca da língua não da mátria, mas da frátria:


Letra:

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
e uma profusão de paródias
que encurtem dores
e furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?

E deixem os portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala, Mangueira! Fala!

Flor do Lácio, sambódromo, lusamérica, latim em pó
o que quer
o que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
e o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E , xeque-mate, explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem

Adoro nomes
nomes em ã
de coisas como rã e ímã
ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio, sambódrom, lusamérica, latim em pó
o que quer
o que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível, é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
e o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo

A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria

Poesia concreta, prosa caótica
ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(- Será que ele está no Pão de Açúcar?
- Tá craude brô
- Você e tu
- Lhe amo
- Qué queu te faço, nego?
- Bote ligeiro!
- Ma'de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
- Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
- I like to spend some time in Mozambique
- Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros
que sofrem horrores no gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem

Fonte da letra: http://letras.terra.com.br/

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