sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Os imortais da ABL também não têm sexo, como os anjos



Que a Academia Brasileira de Letras é uma instituição eminentemente conservadora é fato do conhecimento geral, mas a censura que fez à conferência de Jorge Coli, sobre o tema “sexo”, revela que a ABL pauta-se, para além de seu conservadorismo, por conceitos e práticas medievais diante do que considera tabu.

Entre as notícias do portal da ABL, pode-se constatar o informe sobre a conferência do palestrante convidado Jorge Coli, professor da Unicamp, intitulada “Sexo não é mais o que era”:

A edição de 2012 do ciclo de conferências Mutações, intitulado “O futuro não é mais o que era”, continuou na Academia Brasileira de Letras, em setembro [...] Os palestrantes convidados foram o poeta e ensaísta Antonio Cicero, o crítico de arte e arquitetura Guilherme Wisnik e o professor da Unicamp, formado em História da Arte e da Cultura, Arqueologia e História do Cinema na Universidade de Provença. (Grifo nosso.)

A ABL ainda divulgou link em que se encontra a afirmação de que a palestra seria transmitida pela internet, prática comum da instituição, em se tratando de conferências. Nesse mesmo veículo, encontra-se um resumo da palestra de Jorge Coli:

O sexo não é mais o que era: atravessamos uma fase conservadora e acomodada. William Reich, Allen Ginsberg, o “Summer of Love” são referências de outras eras, que parecem muito distantes. Porém, na Internet, explode a pornografia, que domina, de longe, o número de consultas. A sexualidade, que um dia sonhou-se livre, tornou-se sórdida. Trata-se de uma interrelação combinada por convenções: a sexualidade é sórdida porque se opõe aos sentimentos elevados e ao lirismo erótico. No entanto, a natureza da pornografia abala e faz cair a máscara das belezas voluptuosas como instrumentos de repressão. Ela adquire, por esta ótica, força subversiva contra as hipocrisias. Esperamos, torcemos, para que a pornografia seja o futuro do erotismo.

Contudo, Jorge Coli fez o seguinte relato do que ocorreu - aqui transcrito com permissão do autor:

Ontem dei uma conferência na Academia Brasileira de Letras, intitulada: Sexo não é mais o que era. Tratava-se de uma análise reflexiva sobre as noções de pornografia, erotismo e sexualidade dentro das artes. Ela sublinhava o caráter conservador do moralismo atual e criticava os puritanismos repressivos que oprimem o imaginário, e não apenas ele.

A conferência deveria ter sido transmitida via internet. Soube hoje que ela foi censurada, e que essa censura teria vindo por "ordem da diretoria". De início, as imagens que a ilustravam foram suprimidas da transmissão (eu começava com duas obras de Jeff Koons). E, quando citei o trecho de um autor que continha algumas palavras indelicadas (crítica de Philippe Murray ao quadro de Courbet, a Origem do mundo, publicada em 1991 na revista Art Press), a palestra foi interrompida. Ou seja, a ABL ilustrou, de modo preciso, o acerto de minha tese sobre a hipocrisia pudibunda (termo no qual certamente ela ainda censurará as duas últimas sílabas) de nosso tempo.

Não apenas os acadêmicos são imortais: eles também não têm sexo, como os anjos.

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