Hoje, 19 de setembro de 2012, dez
anos da morte de José Gomes, o eterno bispo dos sem terra e dos índios
brasileiros
por Ademar Bogo - membro
da Direção Nacional do Movimento dos Sem Terra (MST)
Ao Dom José Gomes
Passou por nossa escola de formação política e moral, um senhor já de idade, para lecionar uma matéria, muito séria: o que é a dignidade.
Falou pouco, como se estivesse em uma sala de espera, aguardando para ver o que o “povo” - como costumava dizer -, ia fazer ao ter sua terra.
Curiosidade de satisfação. Festejava a cada ocupação, esfregando uma mão na outra várias vezes; depois, passava os dias e os meses acompanhando aquela travessura. Com seu olhar cheio de ternura, seguia os passos dos pobres camponeses.
Quem disse que o silêncio não educa? Quem disse que a humildade não tem brilho? E que um grande homem só se faz se plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho? Ele fez do silêncio a abnegação, dando voz ao tempo. Ensinou o seu povo a caminhar e abrir fronteiras. A descobrir o que as leis escondiam nas entrelinhas. A reagir com as forças que se tinha, para tirar da indigência índios, colonos e sem terra. E, no silêncio, comandou todas as guerras, sem perder nenhuma, porque não temia força alguma.
Sua humildade de bispo sem batina conduzia-o por debaixo da neblina, com a grande inteligência que o nutria. Certo dia o vimos ser repreendido: “estava enfraquecendo a hierarquia, por não colocar o Dom na frente do José”. Respondeu que o importante era sua fé e, não, os títulos que a estrutura oferecia. Mostrou a nós que a velha rebeldia não precisa de barulho para dizer que existe; ela se manifesta em quem resiste e proclama sua força na utopia.
Mais do que plantar uma árvore, adotou as florestas, ensinando que se devia preservá-las. Livros, não escreveu, aprendeu a teorizar nas próprias falas, nos sermões. Como filhos, adotou as multidões, servindo-as como um velho guerreiro. Não era apenas bispo, mas um grande companheiro que compreendia todas as inovações.
Esteve com os Sem Terra desde a Encruzilhada Natalino, recolhendo objetos e alimentos, dando-lhes o destino que a ditadura militar não esperava. Se o povo estava cercado e sem voz, dizia: “Então é agora que precisa de nós”, e incentivava a reação sem medo.
Por ser consciente e
atuante, formou centenas, milhares de militantes que ainda carregam as marcas
de suas mãos. Muitas vezes com dor no coração, olhava-nos em silêncio para se
despedir, e dizia: “É isto mesmo, vocês são jovens devem ir, levar o que
aprenderam por aqui”. E como uma bola a se esvair, cedia parte de seus
lutadores. Sabia que seriam construtores, da mesma causa que o fazia seguir.
Assim é a história, companheiros e companheiras, os mestres passam, a escola permanece. Não se perdem as ideias quando o mestre desaparece. Se organizada, a multidão seguirá em frente. Este é apenas um dos jeitos, que na marca de nossos rastros a serem feitos, Dom José sempre estará presente.
Portanto, lutadoras e lutadores, se hoje estamos preocupados em defender valores, podem crer que não é sem motivação. É a reprodução das impressões digitais de quem conosco passou duras jornadas. Mantenhamos, sem medo, as diretrizes que ele nos legou, pois, com certeza, uma árvore que tem tais raízes jamais pode pensar que será arrancada.
Vídeo editado por
Leonardo Santos, mostra o bispo em discurso no Dia Internacional da Juventude,
em Chapecó (SC), 1985:
Textos sobre Dom José Gomes: