domingo, 10 de novembro de 2019

Reflexões sobre o atual contexto boliviano

na escuridão que nos toca... Compartilhamos as reflexões de nossos afins

Por XGabrielRG


O governo do MAS, em sua tentativa de conservar o poder, abriu as portas para o surgimento do conservadorismo mais reacionário. A violência desencadeada nas ruas, as mortes e a energia social investida nos confrontos destroem o tecido social de Cochabamba novamente (Enero Negro não se esquece). Mas, desta vez, isso acontece de forma ainda mais trágica, devido à abrangência territorial que teve. Não estamos falando apenas do centro da cidade, mas de múltiplas fontes de confronto nas periferias e zonas interprovinciais (1). Este conflito está inaugurando uma era sombria, de radicalismos autoritários, não apenas na vida política em geral, mas na própria sociedade.

Evo Morales poderia reconhecer sua derrota sem entender isso como a morte do MAS ou o “fim do processo de mudança”, uma vez que é uma enorme força política (cerca de 40% dos votos) e certamente terá uma vida longa como partido. Além disso, se o MAS entende que a transformação social se processa por longos períodos, a eventual saída do governo poderia ser vista como um "abaixar às bases", na linguagem sindicalista, poderia até contribuir para a renovação e o aprofundamento de uma vida política "desde abaixo". Mas, por ganância de poder, ele preferiu transformar a Bolívia numa arena de confrontos civis (2), aplicando “democracia a paus”, onde os problemas políticos, entre a sociedade e o Estado, são resolvidos com polarização (“defesa do processo de mudança” vs.“defesa da democracia”) e ódio fratricida.

E o que é pior, do auge do descontentamento social, emergem temíveis personagens, líderes carismáticos que não eram candidatos e que provêm de organizações muito pouco democráticas. Esses líderes se alimentam do conservadorismo da sociedade boliviana (uma verdadeira tara patriarcal-colonial) e também o fomentam e exaltam. Atualmente, ecoa uma retórica beligerante e demonstrações de fundamentalismo religioso - o que, perigosamente, gera mais adesões (3) (4). Se, no início do conflito, a população saiu espontânea e polifonicamente, agora existe um alinhamento ideológico em torno dessas lideranças.

As organizações sociais (5) e os esquerdistas bem-intencionados, mobilizados em defesa do voto, terão capacidade para intervir nas decisões dos cívicos ou dos partidos políticos? Afinal, são eles que tomarão as decisões importantes.

Neste contexto, a nova “geração de jovens nas ruas” (6) não consegue expressar algo além do voto, o que não é menor, mas já é insuficiente, reduzindo o conflito à defesa de uma abstração, “democracia”, assim como o MAS defende outra, "A revolução". Concretamente, é evidente a maneira pela qual o MAS governou (extrativismo, rentismo, disciplinamento, tutelagem, etc.), mas me pergunto qual é a concepção que “Macho Camacho” tem sobre democracia, ou qual será seu critério econômico ou sua memória histórica. Parece que os laços de confiança com esses líderes estão sendo tecidos de maneira acrítica e precipitada.

O que é muito claro é a ferida que se (re)abre na sociedade de Cochabamba, são evidentes os ódios e a criação de fronteiras imaginárias entre nós, enquanto os governantes lavam as mãos e fazem cálculos.

Neste banho de pedras, paus, gases, humilhações e sangue (7), inaugura-se uma sociedade mais repressiva, que fará sentir sua (dupla) moral conservadora, "religiosa", racista e patriotesca, esta de que se investem os cívicos.

Parece que as possibilidades de um Pachakuti se fecham e dão lugar a Purun Pacha (tempos sombrios). É urgente permanecermos juntos e combatermos o conservadorismo em todos os níveis, de onde quer que venha; e ter sempre em mente que a luta é pela vida e, em qualquer caso, para recuperar a capacidade de mandato a partir de baixo. A luta não deve ser para erigir sombrios líderes.

Referências:

(1) https://www.la-razon.com/nacional/animal_electoral/Muere-herido-conflictos-Cochabamba-bolivia-elecciones_0_3252874728.html

(2) https://www.youtube.com/watch?v=qxids3NOTg8

(3) https://www.facebook.com/MujeresporBoliviaOficial/videos/438613770104337/

(4) Aos 5’17’’, o entrevistado afirma: “Nosso líder [Camacho] disse algo muito claro: podem nos cercar, podem nos pegar, temos a Deus conosco, somos o povo que está unido para mudar este país”. https://www.facebook.com/MujeresporBoliviaOficial/videos/438613770104337/

(5) https://www.lostiempos.com/actualidad/pais/20191107/camacho-participa-cabildo-adepcoca

(6) https://www.paginasiete.bo/rascacielos/2019/11/3/gas-bicarbonato-revuelta-el-bautizo-de-una-generacion-236185.html?fbclid=IwAR0HkvS5vcT5rXJy3W38Q_PNTMpUZAo7nsnAenZTL2lQF9PzepkpkmL7L50

(7) https://la-razon.com/nacional/animal_electoral/violencia-Cochabamba-heridos-muerto-alcaldesa-elecciones-bolivia_0_3252874730.html

Tradução de https://chaskiclandestina.org/2019/11/09/purun-pacha/

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